sexta-feira, 23 de abril de 2010

Os sacerdotes pedófilos e o Papa



Está em curso uma guerra, entre o laicismo e o cristianismo. Os laicistas sabem que se um esguicho de lama atingir a batina branca, sujará a Igreja. E, se a Igreja ficar suja, então também ficará enlameada a religião cristã.
Esta guerra do laicismo contra o cristianismo é uma batalha campal. A destruição da religião, hoje, não comporta o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie.
No plano ético aí está a barbárie de quem mata um feto porque a sua vida seria prejudicial para a “saúde psíquica’ da sua mãe. E assim por diante.
Ou então, para considerar o lado político da guerra dos laicistas contra o cristianismo, a barbárie será a destruição da Europa. Esta guerra ao cristianismo não seria tão perigosa se os cristãos a compreendessem. Mas da falta de compreensão participam muitos deles.
     




Marcello Pera
Trava-se em campo aberto a batalha dos laicistas contra o cristianismo. A destruição da religião, hoje, não comporta o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie. Será a destruição da Europa.
     A questão dos padres pedófilos e homossexuais que surgiu recentemente na Alemanha, tem como alvo o Papa. Cometerá, no entanto, um grave erro quem pensar que o golpe não conseguirá atingir o alvo, diante do tamanho e da audácia dessa iniciativa. E cometerá um erro ainda maior se considerar que a questão será superada rapidamente como tantas outras. Não é bem assim.
     Está em curso uma guerra. Não propriamente contra a pessoa do Papa. Porque nesse campo a guerra é impossível. Bento XVI tornou inexpugnável a sua imagem, pela sua serenidade, limpidez, firmeza e doutrina. Basta o seu sorriso manso para derrotar um exército de adversários.
     Não, a guerra é entre o laicismo e o cristianismo. Os laicistas sabem que se um esguicho de lama atingir a batina branca, sujará a Igreja. E, se a Igreja ficar suja, então também ficará enlameada a religião cristã. É por isso que os laicistas acompanham a sua campanha com perguntas como: "Quem mandará ainda as suas crianças à Igreja?", ou, "quem mandará ainda os seus filhos para um colégio católico?", ou mesmo, ainda, "quem irá tratar os seus filhos num hospital ou clínica católica?".
     Há alguns dias, um laicista deixou escapar a sua intenção. Escreveu assim: "a extensão da difusão do abuso sexual de crianças por padres põe em causa a própria legitimidade da Igreja Católica, como garante da educação dos mais pequeninos." Não importa que esta sentença não contenha provas, porque vem cuidadosamente protegida pela fórmula "extensão da difusão": um por cento de padres pedófilos? Dez por cento? Todos? Não importa que a sentença seja despojada de lógica: basta substituir "sacerdotes" por "professores", ou por "políticos", ou por "jornalistas", para "minar a legitimidade" das escolas públicas, dos parlamentos ou da imprensa. O que importa é a insinuação, mesmo à custa da grosseria do argumento: os padres são pedófilos, assim a Igreja não tem autoridade moral; logo, a educação católica é perigosa e o cristianismo é uma fraude e um perigo.
     Esta guerra do laicismo contra o cristianismo é uma batalha campal. Deve-se trazer à memória o nazismo e o comunismo para encontrar uma situação similar. Mudam os meios, mas o fim é o mesmo: hoje, como ontem, o que se pretende é a destruição da religião. Naquela ocasião a Europa pagou para essa fúria destrutiva o preço de sua própria liberdade. É incrível que, sobretudo na Alemanha, enquanto se bate continuamente com a mão no peito por causa da lembrança do preço que se infligiu a toda a Europa, hoje, na Alemanha que se tornou uma democracia, não se recorda e não se entende que a própria democracia estaria perdida se o cristianismo tivesse sido eliminado. A destruição da religião comportou naquela ocasião a destruição da razão. E hoje não comporta o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie.
     No plano ético aí está a barbárie de quem mata um feto porque a sua vida seria prejudicial para a “saúde psíquica’ da sua mãe. De quem diz que um embrião é um "monte de células" bom para experiências cientificas. De quem mata um velho porque ele já não tem uma família que o trate. De quem apressa o fim de um filho porque não está mais consciente e é incurável. De quem pensa que "genitor A" e "genitora B" é o mesmo que "pai" e "mãe". De quem acredita que a fé é como o cóccix, um órgão que já não participa na evolução, porque o homem não já não precisa da cauda e está ereto por si mesmo. E assim por diante.
     Ou então, para considerar o lado político da guerra dos laicistas contra o cristianismo, a barbárie será a destruição da Europa. Porque, abatido o cristianismo, restará o multiculturalismo, que acredita que cada grupo tem direito à sua cultura; o relativismo, que pensa que cada cultura é tão boa quanto qualquer outra; o pacifismo, que nega que o mal existe. Ou restará uma espécie de europeísmo retórico e irresponsável que diz que a Europa não deve ter uma identidade própria específica, mas ser o receptáculo de todas as identidades. Mas não poderá mudar de concepção e andar pela catedral de Strasburgo a dizer: “agora temos necessidade da alma cristã da Europa”.
     Esta guerra ao cristianismo não seria tão perigosa se os cristãos a compreendessem. Mas da falta de compreensão participam muitos deles. Teólogos frustrados pela supremacia intelectual de Bento XVI. Bispos inseguros que consideram que comprometer-se com a modernidade é o melhor modo de atualizar a mensagem cristã. Cardeais, em crise de fé, que começam a sugerir que o celibato dos sacerdotes não é um dogma, e que talvez fosse melhor modificá-lo.
     Intelectuais católicos que pensam que há uma questão feminina dentro da Igreja e um problema não resolvido entre o cristianismo e sexualidade. Conferências episcopais que se equivocam na agenda e, enquanto anseiam por uma política de fronteiras abertas para todos, não têm a coragem de denunciar as agressões que os cristãos sofrem e as humilhações que são forçados a provar ao serem todos, indiscriminadamente, sentados no banco dos réus.
     Ou ainda aqueles chanceleres vindos dos países do Leste[1], que exibem um belo ministro das relações exteriores homossexual, enquanto atacam o Papa sobre qualquer assunto de natureza ética. Ou aqueles que nasceram no Oeste, e que pensam que o Ocidente deve ser laico, isto é, anticristão.
     A guerra dos laicistas continuará, senão por outra razão, porque um Papa como Bento XVI, que sorri, mas não retrocede um milímetro, a alimenta. Mas se se compreende porque é que não se move, então se toma o assunto em mãos e não se espera o próximo golpe. Quem se limita apenas a solidarizar-se com ele, é como alguém que entra no Jardim das Oliveiras de noite e em segredo, ou como alguém que não entendeu o que está acontecendo.
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     Marcello Pera, professor e escritor, filósofo e agnóstico, foi presidente do Senado italiano (2001-2006), e reeleito senador em 2008.
     ... I sacerdoti pedofili e il Papa. Carta ao Diretor do jornal Corriere della Sera, 17 de março de 2010.
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     NOTA DE SACRALIDADE:
    [1] A referência indireta pode ser aplicada à chanceler alemã Angela Merkel. 

FONTE:SACRALIDADE