quarta-feira, 28 de julho de 2010

Carta introdutória de †Alfredo Cardeal Ottaviani †Antonio Cardeal Bacci . BREVE ESTUDO CRÍTICO DA NOVA ORDENAÇÃO DA MISSA: A Constituição Apostólica Missale Romanum declara que o antigo Missal que São Pio V promulgou em 19 de julho de 1570 (Bula Quo Primum) – a sua maior parte, na verdade, remonta a São Gregório Magno e à antigüidade ainda mais remota1 – foi o padrão por quatro séculos sempre que os padres do Rito Latino celebravam o Santo Sacrifício. A Constituição acrescenta que este Missal, levado a todos os cantos da Terra, “tem sido uma abundante fonte de nutrição espiritual para tantas pessoas em sua devoção a Deus”. Mas esta mesma Constituição, que poria fim definitivamente ao uso do antigo Missal, afirma que a presente reforma tornou-se necessária desde que: “um profundo interesse em fomentar a liturgia disseminou-se e fortaleceu-se entre o povo cristão.”Já que a “Missa Padrão”, agora reintroduzida e novamente imposta na forma da Nova Ordenação da Missa, já havia sido rejeitada em substância no Sínodo; já que ela nunca foi submetida ao julgamento colegiado das conferências episcopais e já que os fiéis nunca pediram qualquer reforma que seja da Missa, é impossível compreender as razões para a nova legislação – legislação que subverte uma tradição intocada na Igreja desde os séculos IV ou V, como o reconhece a própria Constituição Missale Romanum. Um exame ponto por ponto da Novus Ordo revela mudanças tão importantes, que confirmam o julgamento já feito sobre a “Missa Padrão”. O novo “Ordo Missae”, assim como a “missa normativa”, pode satisfazer em muitos pontos o mais modernista


Carta introdutória
Roma, 25 de setembro de 1969
Santíssimo Padre,
Tendo cuidadosamente examinado e apresentado ao escrutínio de outros a
Nova Ordenação da Missa preparada pelos especialistas do Comitê para a
Implementação da Constituição da Sagrada Liturgia (Consilium ad exequendam
Constitutionem de Sacra Liturgia), e após longa oração e reflexão, sentimo-nos
obrigados perante Deus e Sua Santidade a apresentar as seguintes considerações:
1. O seguinte Estudo Crítico é o trabalho de um grupo seleto de bispos,
teólogos, liturgistas e pastores de almas. A despeito de sua brevidade, o estudo
demonstra de forma bastante clara que a Novus Ordo Missae – considerando-se os
novos elementos amplamente suscetíveis a muitas interpretações diferentes que estão
nela implícitos ou são tomados como certos – representa, tanto em seu todo como
nos detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa tal qual
formulada na sessão 22 do Concílio de Trento. Os “cânones” do rito definitivamente
fixado naquele tempo constituíam uma barreira intransponível contra qualquer tipo
de heresia que pudesse atacar a integridade do Mistério.
2. As razões pastorais apresentadas para justificar uma ruptura tão grave, ainda
que tais razões pudessem ser sustentadas em face das considerações doutrinárias, não
parecem ser suficientes. As inovações na Novus Ordo e o fato de que tudo o que
possui um valor perene encontra ali apenas um lugar secundário – se é que continua
a existir – poderiam muito bem transformar em certeza as suspeitas, infelizmente já
dominantes em muitos círculos, de que as verdades que sempre foram objeto de
crença pelos cristãos podem ser alteradas ou ignoradas sem infidelidade ao sagrado
depósito da doutrina ao qual a fé católica está para sempre ligada. As reformas
recentes demonstraram amplamente que novas alterações na liturgia não podem ser
efetuadas sem levar à completa confusão por parte dos fiéis, os quais já demonstram
sinais de relutância e um indubitável afrouxamento da fé. Entre os melhores clérigos,
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o resultado é uma agonizante crise de consciência, da qual um sem número de
exemplos chega a nós diariamente.
3. Estamos certos, instigados pelo que ouvimos da voz dos pastores e do
rebanho, de que estas considerações encontrarão eco no coração de Sua Santidade,
sempre tão profundamente solícito às necessidades espirituais dos filhos da Igreja.
Os sujeitos a quem uma lei se dirige sempre tiveram o direito, mais do que isto, o
dever, de pedir ao legislador que ab-rogue esta lei uma vez que ela prove ser danosa.
Portanto, em um momento em que a pureza da fé e a unidade da Igreja sofrem cruéis
lacerações e um perigo ainda maior, diária e dolorosamente ecoado nas palavras de
nosso Pai comum, nós fervorosamente rogamos a Vossa Santidade para que não nos
prive da possibilidade de continuarmos a ter acesso à integridade fecunda do Missale
Romanun de São Pio V, tão louvado por Sua Santidade e tão profundamente amado e
venerado por todo o mundo católico.
Alfredo Cardeal Ottaviani
Antonio Cardeal Bacci
Roma, Festa de Corpus Christi, 1969.
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O Breve Exame Crítico
BREVE ESTUDO CRÍTICO DA NOVA ORDENAÇÃO DA MISSA
5 de junho de 1969
Um grupo de teólogos romanos
Capítulo I
Em outubro de 1967, foi pedido ao Sínodo de Bispos que se reuniu em Roma
para que emitisse um julgamento a respeito de uma celebração experimental do que foi
chamado à época de uma Missa “padrão” ou “normativa”. Esta Missa, composta pelo
Comitê para a Implementação das Constituições sobre a Sagrada Liturgia (Consilium),
provocou sérios receios entre os bispos presentes. Com 187 membros votando, os
resultados revelaram uma considerável oposição (43 votos negativos), muitas reservas
substanciais (62 votos afirmativos com reservas) e quatro abstenções. A imprensa
internacional falou da “rejeição” do Sínodo à Missa proposta, enquanto a ala
progressista da imprensa religiosa perpassou o evento em silêncio. Um conhecido
periódico dirigido aos bispos, e que expressa seus ensinamentos, resumiu o novo rito
nestes termos:
“Quiseram passar uma esponja em toda a teologia da Missa. Terminou como algo
muito próximo da teologia protestante que destruiu o sacrifício da Missa.”
Infelizmente nós descobrimos agora que a mesma “Missa padrão”, idêntica em
substância, reapareceu na forma da Nova Ordenação da Missa (Novus Ordo Missae)
recentemente promulgada pela Constituição Apostólica Missale Romanun (3 de abril de
1969). Além disso, nos dois anos que se passaram desde o sínodo, as conferência
episcopais (ao menos como tais) aparentemente não foi consultada sobre a matéria.
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A Constituição Apostólica Missale Romanum declara que o antigo Missal que São Pio
V promulgou em 19 de julho de 1570 (Bula Quo Primum) – a sua maior parte, na
verdade, remonta a São Gregório Magno e à antigüidade ainda mais remota1 – foi o
padrão por quatro séculos sempre que os padres do Rito Latino celebravam o Santo
Sacrifício. A Constituição acrescenta que este Missal, levado a todos os cantos da Terra,
“tem sido uma abundante fonte de nutrição espiritual para tantas pessoas em sua
devoção a Deus”. Mas esta mesma Constituição, que poria fim definitivamente ao uso
do antigo Missal, afirma que a presente reforma tornou-se necessária desde que: “um
profundo interesse em fomentar a liturgia disseminou-se e fortaleceu-se entre o povo
cristão.”
Parece que esta última afirmação, com toda evidencia, contém um sério equívoco.
Se o povo cristão expressou algo, foi sim o desejo (graças ao grande São Pio X) de
descobrir os verdadeiros e imortais tesouros da liturgia. Ele nunca, absolutamente
nunca, pediu para que a liturgia fosse alterada ou mutilada a fim de ser mais facilmente
compreensível. O que os fiéis queriam era um melhor entendimento da única e
inalterável liturgia – uma liturgia que eles não desejavam ver modificada. Católicos por
todas partes, bem como padres e leigos, amavam e veneravam o Missal Romano de São
Pio V. É impossível compreender como a utilização deste missal, em conjunto com a
instrução religiosa adequada, poderia impedir os fiéis de participar da liturgia de forma
mais plena ou de entendê-la de forma mais profunda.
É igualmente incompreensível por que o antigo Missal, quando seus formidáveis
méritos são reconhecidos, ate pela Constituição Missale Romanum, deva agora ser
considerado indigno de continuar a alimentar a piedade litúrgica dos fiéis.
1 "As orações de nosso cânone são encontradas no tratado De Sacramentis (4º, 5º séculos)... Nossa Missa
remonta, sem alterações essenciais, à época em que ela se desenvolveu pela primeira vez a partir das mais
antigas liturgias comuns. Ela ainda preserva a fragrância daquela liturgia primitiva, nos tempos em que
César governou o mundo e esperou extinguir a fé cristã, tempos em que nossos antepassados reuniam-se
antes do amanhecer para cantar um hino a Cristo seu Deus... Não há em toda a cristandade um rito tão
venerável como aquele do Missal Romano.” (Rev. Adrian Fortescue). "O Cânone Romano, tal como é
hoje, remonta à São Gregório Magno. No ocidente ou no oriente não há nenhuma oração eucarística
remanescente hoje que possa orgulhar-se de tal antigüidade. Para a Igreja Romana descartá-lo seria o
equivalente, aos olhos não somente dos Ortodoxos, mas também dos Anglicanos e até mesmo dos
protestantes que ainda possuem algum sentido do que seja a tradição, a negar qualquer pretensão de ser a
verdadeira Igreja Católica.” (Rev. Louis Bouyer)
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Já que a “Missa Padrão”, agora reintroduzida e novamente imposta na forma da Nova
Ordenação da Missa, já havia sido rejeitada em substância no Sínodo; já que ela nunca
foi submetida ao julgamento colegiado das conferências episcopais e já que os fiéis
nunca pediram qualquer reforma que seja da Missa, é impossível compreender as razões
para a nova legislação – legislação que subverte uma tradição intocada na Igreja desde
os séculos IV ou V, como o reconhece a própria Constituição Missale Romanum.
Portanto, uma vez que não há razões para empreender a reforma, esta parece privada
de quaisquer bases racionais para justificá-la e torná-la aceitável ao povo católico.
O Concílio Vaticano II, de fato, pediu que a Ordem da Missa “fosse revista de uma
forma que exponha mais claramente a natureza intrínseca e a finalidade de suas
diversas partes, bem como a conexão entre elas”. 2
Nós veremos agora em que medida a Ordenação recém promulgada responde aos
desejos do Concílio – desejos dos quais pode-se dizer que não fica nem a menor
lembrança.
Um exame ponto por ponto da Novus Ordo revela mudanças tão importantes, que
confirmam o julgamento já feito sobre a “Missa Padrão”. O novo “Ordo Missae”,
assim como a “missa normativa”, pode satisfazer em muitos pontos o mais modernista
dos protestantes.