sábado, 25 de fevereiro de 2012

O SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA Por S. E. O CARDEAL VAUGHAN Arcebispo de Westminster

O SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA Por S. E. O CARDEAL VAUGHAN Arcebispo de Westminster






Retirado do livro: “O Santo Sacrifício da Missa” – Cardeal Vaughan – Arcebispo de Westminster.

CAPITULO I

O Santo Sacrifício da Missa é uma ação e não uma simples forma de oração

O Santo Sacrifício da Missa (1) é, por excelência, o ato divino e solene da religião cristã, o maior que se pode exercer aqui, na terra. Outra cousa não é senão Jesus Cristo oferecendo-se a si mesmo, em sacrifício, a Deus, por nós, pecadores.
A Missa é uma ação e não, uma simples forma de oração. Difere, pois, essencialmente, de todas as outras formulas de devoção, como orações da manhã e da noite, vésperas, rosário, benção, etc.

Por desconhecerem a verdadeira natureza da Missa, os que não pertencem à nossa religião, admiram-se do que vêem e ouvem, quando entram nas nossas igrejas e, pela primeira vez, assistem à Missa. Vêem paramentos, velas; notam, da parte do padre, a exata observância de um cerimonial minucioso e formal; reparam que o padre se serve da língua latina e que muitas orações são ditas por ele em voz tão baixa que se torna absolutamente impossível ouvi-las. Ficam, por isso, escandalizados, por julgarem que o povo deve tomar parte nas orações.

E, no caso, nem sequer podem ouvi-las. Retiram-se, então, achando tais ritos muito esquisitos, declarando que, com esse latim e semelhantes cerimoniais e orações em voz baixa, jamais poderiam compreender a Missa. Os católicos, pensam eles, devem ser bastante excêntricos para gostarem de semelhante forma de oração.

Tudo isso provem de não compreenderem que a Missa é, essencialmente, uma ação e não, uma simples forma de oração. É verdade que as orações ditas pelo padre são em latim e um grande numero delas são pronunciadas em voz baixa, mas é que, para tomar parte na Missa e dela retirar os devidos frutos, é absolutamente inútil saber latim. Como não é, de modo algum, necessário entender nem mesmo seguir as palavras do padre. Mais adiante tudo será explicado.

2. – O fim deste livrinho é insistir sobre a essência mesma desse grande ato de adoração, é explicar a natureza e os benefícios do sacrifício e a maneira de a ele assistir. As coisas exteriores – velas, cerimônias, orações, não passam de um invólucro, de uma espécie de veste secundaria e insignificante, quando comparadas com os sagrados mistérios de que fazem parte. Não constituem a substancia e a essência da Missa, como o vestuário da corte e o seu cerimonial não constituem a vida nem a pessoa do rei.

Por isso, não explicarei as orações da Missa, apesar da sua grande beleza e por mais ricas que sejam, em textos da Sagrada Escritura. Nem tão pouco direi coisa alguma sobre a origem e o simbolismo profundo das vestes sacerdotais, nem sobre as cerimônias sagradas que , no altar, do começo ao fim do santo sacrifício, determinam o modo de agir do sacerdote.

A sua historia remonta aos tempos apostólicos. Não me é preciso falara respeito nesta obra, porque a sua explicação se encontra em muitos livros, e numerosas são as traduções do missal.

3. – Antes, porém, de continuar, será bom, talvez, lembrar que nunca houve tempo, desde o começo do mundo até hoje, durante o qual o sacrifício exterior não fosse considerado como parte essencial do culto divino. Os profetas declararam que o sacrifício seria sempre oferecido na lei nova, e que a abolição do sacrifício perpétuo seria a obra e o sinal do Anticristo (Dan. XII). A primeira tentativa formal para suprimi-lo, foi um dos traços característicos da revolta do século XVI, contra a Igreja.

4. – O sacrifício consiste na imolação de uma vítima, imolação que se faz com a morte, com a destruição ou com alguma mudança considerada, praticamente, como equivalente. Imolação que tem por fim reconhecer o soberano domínio de Deus sobre todas as criaturas e a nossa absoluta dependência para com ele.

O sacrifício deve ser oferecido por pessoa legitimamente designada para este fim e só pode ser oferecido a Deus.

Estais, pois, a ver que o sacrifício não é simplesmente uma oração, mas uma ação de natureza sagrada e solenissima, exercida por um sacerdote.

Para realizá-lo é preciso um instrumento. Para o sacrifício, tomou Abraão consigo uma espada e um pouco de lenha. Os sacrifícios da antiga lei e o sacrifício da Cruz só foram oferecidos com o auxílio de certos instrumentos. Na missa, não há necessidade de espada ou cutelo materiais, nem de fogo e lenha; certas palavras sagradas determinadas pelo próprio Cristo, constituem a espada do sacrifício.

“As palavras de Cristo são um instrumento que opera o que elas significam.” (Sermo Christi operatorius est).

Escrevendo a um padre, a propósito da Missa, disse-lhe S. Gregório Nazianzeno estas palavras: “Não deixes de orar por nós e de ser verdadeiramente o nosso embaixador quando, com uma palavra, fizeres descer o Verbo de Deus sobre o altar, e, servindo-te da tua voz, como de uma espada, separares (na consagração) com um golpe não sangrento, o corpo e o sangue do Senhor.” (Ep. 171).

Nada disso, aliás, pode apresentar dificuldade alguma para o cristão que crê ter o Senhor, com uma só palavra, criado todas as coisas e ser a sua palavra onipotente.

A Missa é, pois, um ato sacrifical realizado pelo padre. Não é preciso que os assistentes, para dele participarem, ouçam as palavras pronunciadas pelo sacerdote, ou delas se sirvam, nem que sintam, por assim dizer, a ação da espada do sacrifício, que só o padre recebeu a missão de manejar.


Basta que se associem voluntariamente ao sacerdote com a sua presença pessoal diante do altar, e ao próprio sacrifício, com fé e devoção.

5. – Tudo isto foi admiravelmente exposto pelo Dr. Newman: “A Missa, diz ele, não é uma simples formula. É uma grande ação, a maior que, na terra se pode realizar. Não é só a invocação, é, se assim me posso exprimir, a evocação do eterno. No altar, torna-se presente, com a sua carne e o seu sangue, Aquele diante de quem se inclinam os anjos e tremem os demônios. Eis o grande acontecimento que constitui o fim da solenidade e torna compreensível o sentido de cada uma das suas partes.
São necessárias algumas palavras, mas unicamente como meios e não, como fins. Não são simples suplicas dirigidas ao trono da graça, são os instrumentos de alguma coisa muito maior, os instrumentos da consagração, do sacrifício. Elas passam depressa como tudo mais, por constituírem as partes de uma só e mesma ação. Passam depressa, porque são as palavras admiráveis do sacrifício e realizam uma obra mui grandiosa para serem repetidas.

Como diz a Escritura: “O que fazes, faze-o depressa.” E todos os que cercam o altar, cada qual no seu lugar, preparam-se para o grande acontecimento, “esperando o movimento da água.” Todos, nos nossos lugares, com o nosso coração, os nossos pensamentos, necessidades, intenções, orações, separados, bem que unidos, atentos ao desenvolvimento do sacrifício, unidos na sua realização, tomamos todos parte no que faz o sacerdote de Deus, acompanhando-o, guiados por ele, e não como se seguíssemos, do começo ao fim, com esforço e pesar, uma forma penosa de oração, mas, sim, como músicos cujos instrumentos, embora mui diversos, se combinam, para produzirem uma suave harmonia. (Newman, Perda e Ganho).


Notas:

(1) – A palavra missa que é latina, deriva-se provavelmente de missio , a despedida depois do sacrifício. O emprego da palavra neste sentido, remonta, pelo menos, ao segundo século, O Papa São Pio I dela se serviu numa carta escrita em 166. Os Padres da Igreja deram muitos outros nomes a este sacrifício. Chamaram-no “Oblação”, “Santos Mistérios” , etc.

Obs: O tradutor deste livro o fez com o objetivo de juntar católicos interessados na celebração da Missa de São Pio V (ou Missa Tridentina, que é a Missa de sempre apesar das mudanças ocorridas após o Concilio Vaticano II).



"O altar da crucifixão sempre lhe esteve presente aos olhos. Os trinta e três anos de sua vida foram outros tantos degraus consecutivos pelos quais a ele subiu. Suspirava pela consumação do sacrifício. Na véspera da morte, como legislador e sacerdote, ofereceu e instituiu, para sempre, o incruento sacrifício de si próprio, e, dessa vez, de modo cruento, na cruz."


CAPITULO II

O Sacerdócio de Jesus Cristo

A Santa Missa, como acabamos de ver, é mais do que uma simples oração. É um ato infinitamente augusto e solene, o ato do sacrifício.

Vejamos agora quem verdadeiramente realiza este ato sagrado, quem seja realmente o sacerdote sacrificador.

Se me disserdes: “Mas é o padre F. a quem muito conhecemos, cuja fisionomia e sotaque nos são familiares,” eu vos responderei dizendo que muito vos enganes. Talvez, quem sabe julgueis conhecer verdadeiramente qual seja o principal sacerdote da Missa, e, não o estimando, tenhais deixado de a ela assistir, durante a semana, e, até, aos domingos?

Que cegueira! Porque não gostais de quem exerce, em segundo lugar, o ofício sacerdotal, porque tendes contra ele um mesquinho ressentimento, vos afastais do principal sacrificador!

Pois sabei que é artigo de fé ser o mesmo Jesus Cristo o principal sacerdote, o principal sacrificador da Missa.
Para melhor compreenderdes esta verdade, vou, em largos traços, descrever o sacerdócio de Jesus Cristo. Ser-vos-á, então, mais fácil compreender a sua presença na Missa, como principal sacerdote.

2 – Segundo crença universal e constante do gênero humano, sacerdote é aquele que recebeu delegação para estar entre Deus e o povo. Tem, pois, duas sortes de deveres a cumprir: uns para com Deus, e outros para com os homens. Em tudo o que diz respeito ao ministério, é o intermediário entre o homem e Deus.

Antes de tudo, é o delegado para oferecer a Deus o ato supremo do culto público e externo que só a ele é devido, e que consiste no sacrifício. Todos os homens devem a Deus homenagens de adoração , de ação de graças , de propiciação e de súplica . São estes os quatro grandes fins do sacrifício.

Além disso, o sacerdote tem deveres positivos para com os homens. É obrigado a instruí-los em tudo que se relaciona com o serviço de Deus e a salvação das almas, a santificá-los, auxiliá-los, de acordo com a natureza do seu sacerdócio e os poderes recebidos de Deus, neste sentido.

Daí resulta que a direção dos fiéis, em todas as coisas que dizem respeito ao culto divino e à salvação das almas, pertence ao sacerdote, sujeito, é verdade, às restrições e condições que a Deus aprouve estabelecer.

O mundo, no seu orgulho, revolta-se contra esta verdade, e, zombando da autoridade sacerdotal, protesta contra todo o intermediário entre Deus e ele. Parece esquecer-se de que, em tal questão, é a Deus e não, a ele, que compete o direito de decidir.

Não vemos como as sociedades humanas nos negócios políticos ou nacionais, escolhem sempre os seus representantes, a quem encarregam de agir em seu nome, e que estes são estabelecidos como intermediários, entre o povo e o soberano? Esta analogia entre a natureza e a graça, confunde admiravelmente, no homem, o espírito de revolta.

3- Desde o começo, tiveram os homens os seus sacerdotes para oferecerem sacrifícios em seu próprio nome e ensinarem-lhes a lei divina.

Sob a lei da natureza e a de Moisés, houve sacerdotes, sacrifícios e uma autoridade docente. Vindo Jesus ao mundo, concentrou em si todo o ofício sacerdotal e, desde a sua vinda até ao fim dos tempos, Deus não reconhecerá mais nenhum outro sacerdócio nem sacrifício ou ensino, a não serem os de Jesus Cristo.

É de fé que Nosso Senhor é sacerdote, no sentido pleno e literal da palavra. A definição do sacerdócio dada por São Paulo verificou-se estritamente na pessoa de Cristo: “Todo o pontífice, diz o Apostolo, tomado dentre os homens, é estabelecido a bem dos homens naquelas coisas que se referem a Deus, afim de oferecer dons e sacrifícios pelos pecados.” (Heb. V, 1).

Embora, de toda a eternidade, o Divino Mestre tenha possuído a natureza divina, a substância de Deus, entretanto, no tempo ele assumiu, também, uma natureza humana completa. Essa natureza humana foi tomada dentre os homens, pois Nosso Senhor nasceu de mulher, é filho da Bemaventurada Virgem Maria. O seu sacerdócio firma-se sobre a sua natureza humana e não, sobre a natureza divina, sendo nessa mesma santa humanidade que ele exerceu, exerce e exercerá até ao fim do mundo, as suas sagradas funções.

4- Por quem, onde e como foi o Cristo ordenado e sagrado sacerdote, para servir de intermediário entre Deus e o homem? São questões estas certamente de grande e profundo interesse.

Mão nenhuma de homem jamais se pôs sobre a sua cabeça. Ele não foi ungido por nenhuma unção terrestre. “O Cristo nunca assumiu por si mesmo a glória de ser pontífice, mas ele a deve a quem lhe disse: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei”! Como disse ainda alhures: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melchisedech.” (Heb., v. 5).

Assim, foi Deus quem o sagrou sacerdote, sem a intervenção de homem nem de anjo algum. Foi na hora silenciosa do maravilhoso fiat pronunciado pela Virgem Maria, e no obscuro retiro do seu bendito seio, que a Divindade derramou, em profusão, sobre a natureza humana de Jesus Cristo, a plenitude do poder sacerdotal.

E foi aí, no casto seio de sua Mãe imaculada, como num templo escolhido por Deus, no ato propriamente dito da Encarnação, foi aí, repito, que Jesus foi constituído chefe, representante e sacerdote da raça humana, para governá-la e instruí-la em tudo o que diz respeito a Deus, e para oferecer à adorável trindade, em nome dessa mesma raça, para sua salvação e felicidade, um sacrifício que, não só apagasse o pecado, mas fosse ainda um ato de adoração, de ação de graças e de redenção digno de ser aceito por Deus.

Ele foi chamado Cristo, diz São Cirilo, por ter sido sagrado sacerdote por Deus, e Jesus porque é o sacerdote destinado a ser o nosso Salvador .

5- Em virtude da união da santa humanidade com a natureza divina e a pessoa do Filho de Deus, o sacerdócio de Jesus Cristo possui uma plenitude absoluta e ilimitada de poder e de excelência e, em razão desta mesma plenitude, o sacerdócio de Cristo não pode ser comunicado.

Ele revelou a sua doutrina quando e como quis; organizou a Igreja como quis; promulgou as suas leis como quis; instituiu sacramentos e fontes de graças como quis; ofereceu o sacrifício da última Ceia e o sacrifício da Cruz como quis e para produzir os efeitos por ele determinados, comunicando enfim aos homens algo do poder sacerdotal, com tais e tais limites e restrições como bem lhe aprouve. São Paulo descreve o seus sacerdócio como “mais elevado do que os céus” (Heb.); São João diz que “todos nós recebemos gratuitamente da sua plenitude e graça” (João, I), e Nosso Senhor mesmo proclama a plenitude deste sacerdócio, quando diz: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra” (Mat., XXVIII).

6- Santo Tomás, Suarez e outros teólogos ensinam que não só os homens foram plenamente remidos pelo mediador e sacerdote Jesus Cristo – “e nele se encontra uma plena redenção” – mas ainda que todas as hierarquias dos anjos devem inteiramente Àquele que é “o Primogenito de toda a criação”, não a redenção, de que não tinham necessidade, mas o dom indizível de todos os maravilhosos tesouros de glória e de graça. Muitas vezes achamos, na Sagrada Escritura, a afirmação deste fato, isto é, que os anjos do céu, seguem, servem e adoram o Salvador.

7- Vede como Nosso Senhor desde o momento da sua Encarnação, se apressa em exercer as funções sacerdotais. Não espera pelo nascimento, mas, ainda oculto nessa arca da aliança que é o seio de Maria, começa “como um gigante” a sua carreira. Atravessa as montanhas da Judéia para ir santificar a João Batista que Santa Isabel trazia ainda em si. Enche-a do Espírito Santo, comunica a Zacarias o dom de profecia e inunda a alma de sua própria mãe de uma onda de conhecimentos e de graças que excedem, em valor e esplendor, a tudo o que uma criatura jamais recebeu de Deus.

Durante os trinta e três anos de sua vida tanto oculta como pública, continuou fielmente a exercer para com os homens, segundo a inspiração da sua sabedoria, os diferentes ministérios do sacerdócio, orando, abençoando, curando e absolvendo, ensinando, repreendendo, governando e guiando as almas “nas coisas relativas a Deus”.

8- Quanto ao ofício de sacerdote sacrificador, não o exerceu, com menos generosidade e poder, orando e preparando com solenidade a vítima para o sacrifício, desde o momento da sua conceição.

O altar da crucifixão sempre lhe esteve presente aos olhos. Os trinta e três anos de sua vida foram outros tantos degraus consecutivos pelos quais a ele subiu. Suspirava pela consumação do sacrifício. Na véspera da morte, como legislador e sacerdote, ofereceu e instituiu, para sempre, o incruento sacrifício de si próprio, e, dessa vez, de modo cruento, na cruz.

9- A propósito do sacerdócio de Nosso Senhor, devem-se fazer duas observações.

Eis a primeira: ensina São Paulo que todo o sacerdócio legítimo terminou em Cristo, tendo sido para ele “transferido”.

Não há mais agora senão um sacerdote, uma vítima, um sacrifício e um altar. Todos os demais são sacerdócios, sacrifícios e altares dos demônios (I Cor., IX), quer por terem sido instituídos ou inspirados pelos demônios, quer por serem (talvez inconscientemente) empregados em seu serviço.

Tertuliano, escritor do II século, serve-se de uma expressão profunda para designar o Cristo. Chama-o “ Catholicus Patris Sacerdos ”, o que quer dizer, primeiro que Jesus Cristo é o Sacerdote da Igreja Católica; segundo, que Ele é o único sacerdote reconhecido pelo Eterno Padre como católico ou universal , por cujas mãos devem passar todas as orações e sacrifícios a serem oferecidos a deus e por Ele recebidos, e, finalmente, que Deus só cura, perdoa, ensina, abençoa, recompensa e salva pela mediação única de Jesus Cristo. Tudo passa “por Nosso Senhor”. A mesma doutrina é ensinada por São Cipriano, quando chama a Nosso Senhor Summus Sacerdos Patris , o Sumo Sacerdote do Pai.

10- Perguntarão talvez: “Mas então não há sacerdotes na Igreja Católica”? Jesus Cristo não tem sucessores que ofereçam, em seu próprio nome, sacrifícios seus, como se fazia na antiga lei. Mas os sacerdotes que receberam regularmente a sua missão participam do Sacerdócio de Cristo , e recebem do seu poder a parte que a ele apraz dar-lhes. Tal participação é verdadeira, bem que limitada. Não é o próprio sacerdócio, mas o de Cristo que eles recebem e exercem. Eis porque muitos Padres da Igreja os chamam “vigários”, “embaixadores”, “representantes” e “ministros” de Cristo, o que significa que, quando eles ensinam, absolvem e oferecem o sacrifício, exercem as funções sacerdotais de Cristo.

11- A segunda observação a fazer é esta: Nosso Senhor exerce o seu sacerdócio no tempo e na eternidade, conforme a condição da sua Igreja. Assim, residindo atualmente no céu, “assentado à direita do trono da majestade divina”, é “nosso advogado intercedendo constantemente por nós”. E isto não é simples maneira de falar. Aquele que neste mundo, nos amou até a morte, continua agora, que está na glória de Deus, a amar-nos e a pensar em nós, e assiste-nos nos nossos combates. Advoga em nosso favor com as suas chagas, com a sua paixão e morte.

São João contemplou-o no meio do céu, na atitude de um “cordeiro que lá permanecia como que imolado”. A sua intercessão é realmente sacerdotal.

Além disso, Nosso Senhor exprime livremente a Deus os desejos de sua vontade humana e as preferências de sua santa alma, em favor de cada um de nós. Ele se preocupa com a nossa salvação.

12- Entretanto, segundo o ensino de Santo Tomás, embora possamos dizer que Jesus Cristo, enquanto homem , ora realmente por nós, não devemos dizer: “Cristo, orai por nós”, mas sim: “Cristo, atendei-nos” e isto porque a pessoa de Cristo é divina e, por conseguinte, a sua função não é orar, mas atender, e também porque o emprego desta expressão poderia levar os ignorantes à heresia ariana ou à de Nestorio. (S.Tomás, in IV, Sent., dist. 15). – Suarez, porém, acrescenta que, se distinguirmos claramente a natureza humana da divina, poderemos “legitimamente e sem impropriedade de termos” pedir à natureza humana de Cristo que ore por nós. Santo Afonso de Liguori, numa passagem cujo sentido é claríssimo, diz o seguinte: “Vós orastes por mim, e eu vos suplico que não deixeis mais esta vossa oração; sei que mesmo no céu, continuais a ser o nosso advogado; continuai, pois, a orar; mas, oh! Jesus, orai mui particularmente por mim”. (Da Encarn., p. 102). A Igreja, aliás, faz apelo à sua intercessão sempre que diz: “Por Jesus Cristo Nosso Senhor”.

13- Demais, sendo sacerdote para sempre, isto é, por toda a duração dos tempos segundo a ordem de Melchisedech, deve Nosso Senhor estar sempre a oferecer, d'uma ou d'outra maneira, o sacrifício de que o de Melchisedech fora figura. Melchisedech ofereceu, em sacrifício, pão e vinho. Cristo deve, pois, oferecer, no decorrer dos tempos, um sacrifício, sob as aparências de pão e de vinho. É o que ora faz, como veremos no capítulo seguinte.

Enfim, não cremos que o sacrifício de Cristo haja de desaparecer no último dia do mundo. Quando este mundo tiver passado e “todas as coisas houverem sido submetidas a Cristo”, ele continuará a oferecer a Deus, durante toda a eternidade em oblação perfeita, a si próprio, na sua natureza humana, e a nós que somos o seu corpo místico, “afim de que Deus seja tudo em todos”. (Cor., XV, 28).

A felicidade que nos espera nessa união de louvores e de ação de graças, com Nosso Senhor, é atualmente incompreensível.

Como ele mesmo diz: “Nesse dia conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós”. (João, XIV, 20). Mas aqui, na terra, tais coisas não podem ser bem explicadas nem bem compreendidas.

“Quando virdes o padre oferecendo o santo sacrifício, diz São João Crisostomo, não considereis o padre como sendo o celebrante, mas vede a mão de Cristo estendida invisivelmente".

CAPITULO III

Jesus Cristo, principal sacerdote da Missa

Se bem compreendestes o capítulo precedente, não vos será difícil tirar a seguinte conclusão: Jesus Cristo é o principal sacerdote do sacrifício da Missa.

É o sacerdote principal, o principal sacrificador da Missa, não só porque a instituiu, não só porque o valor, poder e graça desse sacrifício dele provêm e dele unicamente dependem, mas ainda por ser ele o único perfeita e absolutamente capaz de oferecê-la.

Duas coisas são necessárias para se exercer perfeitamente o múnus sacerdotal: primeiro, que o ato da imolação esteja bem no poder do sacerdote, dependendo da sua vontade, e, depois, que o sacerdote ofereça o sacrifício a Deus, após ter sido legitimamente delegado para tal fim.

Na Missa, o ato de imolação ou consagração requer o exercício do poder divino. É um milagre que excede a todo poder humano e criado. Aprouve a Deus servir-se da humanidade sagrada do Eterno Filho como de um instrumento, para realizar esse milagre estupendo, tornando assim a Jesus Cristo na sua humanidade, um sacerdote sacrificador, até o fim dos séculos.

Desse modo, Cristo é o principal sacerdote, embora tenha-se dignado associar a si, como sacerdotes secundários e ministros, os apóstolos e seus sucessores.

Assim agiu para que o seu sacrifício pudesse ser sempre visível e “tal como o exige a natureza do homem”, “o próprio Cristo como ensina o Concílio de Trento, oferecendo agora o seu sacrifício por intermédio dos sacerdotes".

É, pois, com muita razão que as palavras da consagração se pronunciam em nome de Cristo, uma vez que é ele o principal sacrificador, e não, em nome do sacrificador secundário, que só age como representante oficial de Cristo.

Diz Suarez que, quando o celebrante pronuncia as palavras da consagração, a Humanidade sagrada de Nosso Senhor, por um concurso atual e físico, opera o milagre sublime chamado transubstanciação.

2.- Declaram os padres que, por justo título, Cristo é chamado “Sacerdote Eterno” por ter tomado o compromisso de oferecer sempre o sacrifício da Missa.

São Paulo, mostrando aos hebreus a diferença entre o sacerdócio do Antigo e “o do Novo Testamento”, diz que, na antiga lei, havia muitos sacerdotes oferecendo um grande número de sacrifícios, ao passo que, na nova, só há um sacerdote e um só sacrifício e que esse sacerdote único é “o sacerdote para sempre”, não tendo sucessor, mas unicamente representantes. Esse sacerdote é Jesus Cristo.

Por isso ensina São Paulo que uma das notas características da nova lei consiste em continuar o mesmo Cristo a agir como sacerdote principal, embora associando ao seu sacerdócio agentes secundários.

A diferença que estabelece entre a pluralidade de sacerdotes, na antiga lei, e o único sacerdote da lei nova, focaliza muito bem a doutrina católica relativa à Missa, doutrina segundo a qual nós só temos um sacrifício e um só sacerdote principal que é Jesus Cristo.

O concílio de Trento (sessão XXII) declara também que o valor do sacrifício do altar “jamais poderá ser alterado pela malícia ou indignidade dos que o oferecem”. É evidente o motivo. É que o Cristo e não outro é que é o sacrificador principal e o sacerdote da Missa.

A aceitação dos sacrifícios por Deus sempre dependeu do mérito do principal sacrificador. Deus, na antiga lei, muitas vezes “detestou e aborreceu” os sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes judeus, por causa da indignidade deles, o que não pode suceder na nova lei, pois que o Cristo, e não um pecador, é que é o principal sacrificador da Missa.

“Cristo, diz Santo Agostinho, é o sacrificador e também a vítima”. “Quando virdes o padre oferecendo o santo sacrifício, diz São João Crisostomo, não considereis o padre como sendo o celebrante, mas vede a mão de Cristo estendida invisivelmente”. (Hom.de Prod, Jud.)

O sábio Alcuino, no século VIII, nada mais era do que o eco de toda a cristandade, quando escrevia na sua “Profissão de fé católica”:

“Apesar de ver, com os meus olhos de carne, o padre oferecendo no altar de Deus, o pão e o vinho, com o olhar da fé e na pura luz da alma, vejo distintamente a esse Sumo Sacerdote e verdadeiro Pontífice, o Senhor Jesus, oferecendo-se a si mesmo. Eis, com toda a certeza, o sacerdote e o sacrifício. A vítima redentora, por conseguinte, em tempo nenhum e em nenhum lugar, foi diminuída, aumentada, amesquinhada, nem mudada, quer tenha sido o padre oficiante um santo ou um indigno. (Opp., ap. Migne. P. 1887) .

3.- Na coleção das revelações de Santa Gertrudes, acha-se a narrativa de uma admirável visão: a Santa percebeu Nosso Senhor celebrando a Missa. Deus, a pouco tempo, parece ter dado uma brilhante prova do seu amor a uma pobre costureira da diocese de Rochelle, Maria Eustelle Harpain. As suas cartas foram reunidas pelo piedoso cardeal Villecourt e publicadas, conforme desejo manifestado por ele, antes de morrer.

Diz ela numa dessas cartas, que, meditando na grandeza do sacrifício que era oferecido na sua presença, viu o próprio Jesus no lugar do padre, oferecendo a Deus com grande majestade, a vítima sagrada. E a vítima era ele mesmo.

“Um Deus oferecendo-se a si mesmo a um Deus, exclama ela, que sacrifício! O meu espírito é incapaz de compreender toda a sua grandeza. Foi sobretudo no momento da consagração, que o meu espírito possuído de respeito e amor. À vista desse Homem-Deus consagrando a sua própria Carne e o seu próprio Sangue encheu-me de alegria e de felicidade. Com que avidez não suspirei pelo momento em que o esposo de minh'alma viria a dar-me o Pão dos anjos! Ele mesmo dando-se a si mesmo a mim! Vi dois espíritos celestes servindo-o, durante o santo sacrifício”.

4.- Não vos deixeis enganar pelos sentidos, não julgueis que o celebrante, cujo nome, voz e fisionomia conheceis, seja o principal sacerdote a oferecer o sacrifício. Há alguém que vos vê, embora não o vejais, que vos ouve, embora não o ouçais, e que realiza um ato pessoal. Não é um representante, nem um instrumento inanimado da Divindade, mas oferece o sacrifício com pleno conhecimento humano, servindo-se da sua inteligência e vontade humanas. E oferece-o à Santíssima Trindade sem distrações, sem esforço, sem fadiga.

Quando alguém consegue compreender bem esta verdade capital, isto é, que Jesus Cristo, no altar, é o principal sacerdote, desaparecem todas as dificuldades e a fé torna-se fácil. O nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Cristo provam que os milagres de amor, longe de serem exceções, são alei essencial do seu ser.

Continuando a transcrição do livro “O Santo Sacrifício da Missa” – Cardeal Vaughan – Arcebispo de Westminster.

"A sua presença, como sacerdote, na Missa, é um maravilhoso ato de amor. Eis, porém, um abismo de amor ainda mais profundo: na Missa, ele não somente é o sacerdote, mas ainda a vítima."

CAPITULO IV

A vítima divina da Missa

Se pessoa fidedigna garantisse que Jesus Cristo vos espera em tal lugar, a tal distância da vossa casa, com que alegria, com que esperança e ardor não correreis ao seu encontro! Levantar meia hora mais cedo, antecipar a refeição da manhã, não perder tempo, parecer-vos-iam mui pouca coisa comparada com semelhante felicidade. Nada vos custaria para poder estar junto a ele, na hora determinada.

Entretanto, sabeis que diariamente ele oferece por vós o adorável sacrifício da Missa, o que, salvo caso de impossibilidade deveria levar-vos, todos os dias, a esse sacrifício. Para isso, devereis considerar como nonada (sic), qualquer inconveniente leve, qualquer pequena privação.

A sua presença, como sacerdote, na Missa, é um maravilhoso ato de amor. Eis, porém, um abismo de amor ainda mais profundo: na Missa, ele não somente é o sacerdote, mas ainda a vítima.

“Quem é o sacerdote, diz Santo Agostinho, senão o que entrou no santo dos santos? Quem, senão o que foi, ao mesmo tempo, vítima e sacerdote? Quem senão o sacerdote que, nada achando, neste vasto mundo, que fosse bastante puro e imaculado para oferecê-lo em sacrifício a Deus, ofereceu-se a si mesmo?” (In. Ps., CXXXII e XXVI)

Oh! Meu Deus! Por não terdes encontrado, na criação, coisa alguma que pudesse prestar à majestade divina a devida adoração, por não terdes encontrado coisa alguma que pudesse satisfazer à justiça divina pelos nossos pecados, vítima humana capaz de pagar o preço da nossa redenção, assumistes uma natureza humana e vos oferecestes a vós mesmo!

“Não quisestes sacrifício nem oblação (vítimas terrenas), porém me formastes um corpo. Então eu disse: eis-me”. (Heb., X,6) . Será possível imaginar prova mais evidente de sincero e generoso amor?

Talvez me pergunteis agora: mas como, de que modo é que Jesus Cristo se torna vítima na Missa? Para tal compreender devidamente, mister se faz lembrar que Nosso Senhor tem dois modos diferentes de existência.

O modo natural de existência no céu , onde todos os traços e faculdades do seu Corpo sagrado e da sua Alma são glorificados aos olhares dos eleitos. A indescritível luz de glória que emana da humanidade de Cristo é tal que a cidade celeste não tem necessidade de sol nem de astro algum para iluminá-la. O Cordeiro é a sua luzerna. (Apoc., XXI) .

Contemplá-lo na sua glória, falar-lhe, estar unido a ele, é para os bemaventurados:

Imensa alegria, júbilo inefável,

Vida sem fim, paz e amor,

Riqueza inesgotável e felicidade imensa

(Dante, Paraíso , canto XXVII).

Mas ele possui também um segundo modo de existência inventada pelos inesgotáveis recursos do seu amor. É o modo de existência chamado sacramental . A palavra hóstia sagrada no sentido literal, quer dizer vítima sagrada, o que define admiravelmente o novo estado de Nosso Senhor.

Para a realização do sacrifício não é necessário que a vítima seja destruída fisicamente ou realmente imolada. Basta uma mudança no seu estado, mudança que leve a reconhecer o absoluto poder e o supremo domínio de Deus, mudança que, segundo o comum parecer dos homens, possa ser considerada como equivalente à destruição.

Ora, em virtude das palavras da consagração, Cristo, tanto na sua natureza humana como na divina, se acha real e substancialmente presente no altar, como vítima, numa forma de alimento . “Ainda que pela consagração, diz de Lugo, Cristo não seja destruído substancialmente , é todavia destruído na medida do possível , por se colocar num estado inferior, estado que lhe torna impossíveis as propriedades naturais do corpo humano e o torna capaz de ser empregado em usos diversos, sob a forma de alimento. E tal mudança basta para constituir um verdadeiro sacrifício.”

Neste estado, Cristo adora, agradece à Santíssima Trindade e oferece-se a si mesmo a Deus pela remissão de nossos pecados. Ser colocado em tal condição, é estar colocado num estado e condição de vítima.

Em semelhante modo de existência , torna-se-lhe naturalmente impossível caminhar, mover-se, falar, soltar um brado ou manifestar a sua humanidade, ainda da menor maneira. Acha-se colocado, por assim dizer, num estado de completa dependência, de sorte a podermos fazer dele o que quisermos.


Podemos oferecer-lhe o nosso amor, as nossas homenagens, adorá-lo com milhares de santos e anjos, ou, então tratá-lo com fria indiferença, dele zombar até, blasfemando com os judeus e os demônios.

Não é preciso, diz Lessius, que uma vítima nos seja, por si mesma, visível aos sentidos, uma vez que seja oferecida a Deus, a quem nada é oculto. Basta que se nos tenha tornado perceptível aos sentidos por meio de outra coisa em que exista, de sorte a podermos conhecer o que, sob esta, se acha oculto e sermos capazes de apreendê-la . (De Perfect. div. lib. 12).

E assim, como diz Franzelin, o primogênito de toda criatura, o chefe da Igreja, aquele que tem a primazia (Col., I) entra num novo modo de existência, sob as aparências de pão e de vinho, de maneira a ser reduzido ao estado de alimento e de bebida. Daí, Jesus Cristo, como Vítima , presta verdadeiramente homenagem ao supremo domínio de Deus, proclamando a absoluta dependência de todas as criaturas de quem é o “primogênito e o chefe.”

Não vades crer, entretanto, que Nosso Senhor esteja, na Sagrada Hóstia, inativo ou sem vida. Não, aí é ele realmente uma vítima e vítima viva .

“Sobretudo, escreve o P. Dalgairns no seu livro sobre a Santa Comunhão , convençamo-nos bem de que, no Santíssimo Sacramento, Jesus está vivo.

“Quando se considera todos os graus do maravilhoso reino da vida, desde o mais ínfimo corpuscolo oculto no fundo dos mares, até à vida gloriosa de Maria, até Deus eternamente vivo, não se encontra vida mais poderosa do que a que se acha no pequeno circulo da Hóstia.

“Aí se acha, primeiro, a vida eterna e imutável de Deus, Padre, Filho e Espírito Santo, com todas as operações necessárias de inteligência e de amor, e todos os atos livres relativos às criaturas.

“Depois, a vida de Jesus, o Verbo Eterno, unido à natureza humana por ele assumida. Encontra-se a visão beatífica e, ao lado desta, a vida também de Jesus, no que ela tem de continuamente variável, com numerosas alternativas de amor, de sentimento, de inteligência, as quais se lhe sucedem na alma, de nós dependem e correspondem ao que se passa no coração dos que assistem ao santo sacrifício.

“Cada sopro da nossa oração, cada aspiração do nosso coração, cada suspiro da nossa agonia agita o vasto oceano de amor que se encontra em Jesus, no Santíssimo Sacramento.

Oh! Vida maravilhosa de Jesus! Por mais espessos que sejam os véus que o ocultam aos nossos olhares, ele está sempre atento a tudo o que se passa em redor, de modo a perceber o mínimo desejo de quem o visita. O seu Coração escuta, exultante, os atos de amor que murmuramos. Está tão perfeitamente oculto que as tênues espécies, como um muro de diamante, o separam das criaturas, mas, ao mesmo tempo, tão acessível às nossas preces que o menor suspiro o atinge através desse véu.”

Os livros de espiritualidade notam sempre uma aproximação entre a Encarnação e o estado da vítima, na Missa.

Pela Encarnação, o Verbo que existia na majestade e na glória divina (2) aniquilou-se tomando o humilde estado de escravo, tornando-se semelhante aos homens e apresentando-se sob a forma de um homem. Nesta condição, sem abdicar do poder divino e sem sofrer nenhum apoucamento nem diminuição na sua glória celeste, humilhou-se até ao sacrifício da Cruz. (Phil., II) .


Dessa maneira, cada dia, na Missa, embora sempre subsistente na dupla natureza de perfeito Deus e perfeito Homem, vivendo eternamente na infinita bemaventurança do céu, sem perda nem diminuição de glória ou felicidade, nas duas naturezas divina e humana, ele se aniquila sob as espécies de pão e de vinho, e se humilha no altar, para sofrer, como vítima, uma morte mística.

É o mais estupendo dos milagres realizados neste mundo. É impossível crer nele sem crer na Encarnação de que ele é, de certo modo e sob uma outra forma, a continuação sobrenatural.

Notas:

(2) – Vulgata: Qui cum in forma Dei esset... exinanivit semetipsum, formam servi accipiens.- A palavra fórma não traduz o sentido do latim nem do original grego. A expressão traduzida por forma Dei, designa a natureza ou essência de Deus, de certo modo revestida dos seus atributos e da sua gloria e majestade.



"Depois de ter comido o Cordeiro pascal que, no Antigo Testamento, era a mais perfeita imagem de si mesmo, Nosso Senhor encerrou, por sua vez, os ritos e sacrifícios da antiga lei, instituindo, em seu lugar, o adorável sacrifício da nova lei, a que chamamos Missa."
CAPITULO V

Identidade entre o sacrifício da Missa e o da Cruz

Tem-se dito, muitas vezes, que a grande escola dos Santos é a contemplação da Paixão de Nosso Senhor. Fôra o assunto constante das meditações da Santíssima Virgem e ninguém poderá atingir um grau qualquer de santidade nem de união com Deus, se o seu espírito não se alimentar com a freqüente meditação da Paixão e Morte de Cristo.

Tal afirmação, pode, a princípio, parecer exagerada. É todavia, a pura verdade, verdade profunda que se vos tornará evidente quando, uma vez por todas, tiverdes admitido que a Missa foi instituída para perpétua comemoração e como representação da Paixão e Morte de Jesus Cristo.

Pode-se dizer que as três pessoas da Santíssima Trindade contemplam eternamente a Paixão e a Morte do Filho de Deus. A imagem glorificada da nossa redenção está sempre presente aos olhos dos bem-aventurados, ao mesmo tempo que é o tremendo sacrifício sempre, na Igreja, oferecido.

Como não fazer da paixão de Nosso Senhor o assunto das nossas meditações? Do espírito da Igreja, nem um só dia, nem uma hora sequer, ela se acha ausente, pois o santo sacrifício nunca deixa de ser oferecido cada manhã, por toda a terra. Como não deveriam estar intimamente unidas, no nosso espírito e no nosso coração, a sagrada Paixão e a santa Missa!

2.- Vimos, no capítulo precedente, como é que Nosso Senhor se torna a vítima do santo sacrifício. Resta-nos agora ver como é que a Missa é não só um sacrifício comemorativo do sacrifício da Cruz, mas ainda lhe é idêntico.

Antes de tudo, com relação ao tempo da sua celebração, é preciso notar que Nosso Senhor aproximou, quanto possível, o momento da instituição da Missa do de sua paixão e morte. Estas circunstancias de tempo e de lugar destinavam-se a manifestar a união das duas ações.

Depois de ter comido o Cordeiro pascal que, no Antigo Testamento, era a mais perfeita imagem de si mesmo, Nosso Senhor encerrou, por sua vez, os ritos e sacrifícios da antiga lei, instituindo, em seu lugar, o adorável sacrifício da nova lei, a que chamamos Missa.

Ouvi o tenro apelo que ele dirigiu aos apóstolos: “Desejei com ardente amor, celebrar esta páscoa convosco. Desejei por um termo às celebrações figurativas e, em seu lugar, instituí o incruento sacrifício do verdadeiro Cordeiro que apaga os pecados do mundo. Torrentes de sangue serão, dentro em breve, derramadas; por vós morrerei na Cruz. Antes, porém, de derramar lágrimas de sangue no monte das Oliveiras e de entrar na agonia da morte, faço desde já o meu último testamento. O que vos lego outra coisa não é senão eu mesmo. Sou o Pão descido do céu e quem o come viverá também em mim. Eis o sacrifício incruento da nova lei que será oferecido até a consumação dos séculos, para a remissão dos pecados, em memória dos sofrimentos e da morte que vou sofrer”.

Depois de ter instituído o adorável sacrifício da Eucaristia, no qual ele próprio é sacerdote e vítima, partiu logo para oferecer o mesmo sacrifício, dessa vez, de modo cruento, no Calvário.

3.- Fazem notar os Santos Padres que a semelhança especial entre o sacrifício da Missa e o da Cruz consiste no fato da dupla consagração que neste representa, de modo místico, a real separação entre o corpo e o sangue, ou, em outros termos, a morte real de Jesus Cristo, “servindo-se o sacerdote da palavra como de uma espada”, na expressão de São Gregório Nazianzeno.

De fato, debaixo de cada uma das duas espécies , é Nosso Senhor uma vítima perfeita, mas a dupla consagração é essencial ao sacrifício da Missa: foi assim que Nosso Senhor quis renovar misticamente a sua morte e relembrar a sua memória.

4.- Definiu o Concílio de Trento que o sacrifício da Missa é “ o mesmo ” que o do Calvário. É “ o mesmo ” porque há identidade numérica no principal sacerdote que oferece os dois sacrifícios e identidade numérica na vítima divina para sempre abençoada, que é oferecida. Assim, pois, em tudo o que é essencial ao sacrifício, isto é, quanto ao sacerdote e quanto à vítima, os dois sacrifícios são especificamente unum et idem, um só e o mesmo .

Diferem apenas em algumas particularidades. Primeiro, é diferente o modo de oferecê-los: um realizou-se com sofrimento e efusão material de sangue; o outro é oferecido, sem sofrimento e sem efusão de sangue.

Outra diferença: o da Cruz só foi oferecido uma vez; o outro, inúmeras vezes.

Terceiro, na Cruz, o sacerdote principal e a vítima foram visíveis aos olhos dos homens; na Missa, são invisíveis.

Quarto, há entretanto uma diferença e uma identidade no fim e no efeito desses dois sacrifícios. No da Cruz, o sacerdote adquiriu méritos infinitos e ofereceu a Deus uma satisfação e uma compensação suficiente para expiar os pecados de milhares de mundos. No sacrifício da Missa, o mesmo sacerdote já não adquire novos méritos nem oferece uma nova satisfação, mas concede e aplica às almas, na medida que lhes é conveniente e de que são capazes, os méritos e as satisfações adquiridas com a sua morte de cruz, méritos e satisfações que formam um tesouro inesgotável.

Eis como são essencialmente idênticos os dois sacrifícios, que apenas diferem em certos pontos de vista.

Quanto aos efeitos produzidos na alma, a santa Missa, num certo sentido, leva vantagem sobre o Calvário. De fato, dadas as mesmas disposições, é-nos mais proveitoso assistir diariamente ao santo sacrifício da Missa, do que termos estado presentes, no Calvário, uma só vez.

Eis a razão: na Missa, Jesus Cristo concede e aplica à nossa alma, de acordo com as nossas disposições, o que ele adquiriu, mas não concedeu, na Cruz. Fomos remidos na Cruz, mas, no altar, “é que ele completa a obra da nossa redenção.”

"Ah! Pobre filho, vem até mim, com o teu coração que sangra, vem ao sacrifício; para ti será um grande benefício. Provações, perdas, sofrimentos, pobreza, desonra, isolamento esgotaram-te a coragem? Apressa-te em ir ao santo sacrifício. Aí encontrarás aquele que foi considerado não como homem, mas como um verme. Ele sabe o que é sofrer, pois foi afligido com todas essas provas que, tão pesadamente, te esmagam. Doravante não estarás mais sozinho e sem amigo, porque o tens, a ele, que te falará ao coração e será a tua força, a tua consolação."

CAPITULO VI

A Missa é o ato central do culto

Não nos sentimos às vezes aborrecidos do mundo, aborrecidos também e, sobretudo, de nós mesmos? Oprimidos de pesares, esgotados pelas provações, arruinados quando menos o esperamos, privados de forças, reduzidos a sofrer sozinhos sem um amigo que nos console, não temos, lá um dia ou outro, suspirado pelo momento em que nos será dado estar ao lado de Nosso Senhor, felizes, tranqüilos, confortados e apoiando a nossa pobre cabeça no seu Sagrado Coração?

Oh! Se pudéssemos ir a ele diretamente, para contar-lhe os nossos sofrimentos e poder ele estender a sua mão, dizendo-nos: “Sê curado!”

Pois bem, na Missa, nós o possuímos, não em figura, como outrora Deus residia por detrás do véu do templo, mas substancialmente, pessoalmente, com todo o seu poder, com todo o seu amor misericordioso, oculto no transparente véu das espécies sacramentais.

Aos sentidos e à ciência humana esse véu é tão impenetrável como uma muralha de diamante; mas, para Nosso Senhor, é mais fino e tênue que o mais delgado fio, e Jesus Cristo chega-se para tão perto de nós quanto as próprias espécies.

Não é um conto, uma pintura ou uma história da sua vida que se acha diante de nós, no santo sacrifício. O homem-Deus aí se acha realmente, com todas as fases de sua vida, desde a Encarnação até o momento presente. É, a princípio, o Sacerdote Divino, no casto seio de Maria; é, depois, a criança que chora no presépio, o mestre ensinando aos discípulos como se deve orar, o pastor que se compadece das multidões sem guia, o médico a curar a alma da mulher apanhada em flagrante delito de pecado, e aliviando todas as enfermidades. Aí se acha ele e acha-se presente pessoalmente.

O bom pastor que aos ombros tomou os nossos males, os nossos sofrimentos, as nossas tristes faltas; o sacerdote que, como vítima, se ofereceu pelos nossos pecados pregando na Cruz, com o seu próprio corpo, a sentença de condenação lavrada contra nós; o mesmo corpo que foi sepultado, que ressuscitou dos mortos e subiu ao céu, a vida gloriosa que neste momento, ele tem na eternidade, tudo isso está presente e presente para o nosso bem. Que mais podeis desejar, senão vê-lo na sua glória?

2. – Abri os olhos da fé e contemplai-o no altar. Todos os altares do mundo formam um só altar; todas as vítimas, uma só vítima; Jesus Cristo é o único sacerdote principal, o “Catholicus Patris Sacerdos”. O mesmo sacerdote, a mesma vítima e o mesmo sacrifício do Calvário, sempre presentes no altar, neste templo grande como o mundo, que se chama a Igreja.

Vede que cena maravilhosa! Acima do altar, os céus abertos, a infinita majestade de Deus, a luz inacessível, o orvalho, as fontes e as torrentes inesgotáveis de graça que não cessam de correr, em ondas, para a terra. Maria e José, os apóstolos e os santos com multidões inumeráveis de espíritos bem-aventurados, adoram, louvam, bem-dizem e agradecem a Cristo, com hinos de uma suavidade inefável e encantadora, pelos dons que lhes fez e pelo admirável mistério do Calvário continuamente renovado. Toda a criação é devedora para com Nosso Senhor; não há um anjo sequer que de sua plenitude não tenha recebido a felicidade e a graça. Segundo o ensino de Santo Tomás, a plenitude da graça, em Cristo, é a causa de todas as graças concedidas a cada criatura inteligente. (In Joan. I, 16).

Aos pés do altar comprime-se a multidão dos fiéis, semelhantes a “esse grande número de enfermos, cegos, coxos, paralíticos que esperavam pelo movimento da água” (João, V); mas aqui, é mais do que um anjo o que essa multidão espera. Nós aí encontramos Marias Madalenas com os seus vergonhosos pecados, Simões Pedros de negações reiteradas, Nicodemos com os respectivos temores e covardias. Aqui, é o ladrão que se converte durante a oblação do sacrifício, Longuinho sustendo ainda a lança com que acaba de traspassar o Coração de Jesus; ali, é uma incontável multidão de “criaturas que, até o presente, gemem e sofrem com as dores do parto.”

Ah! Pobre filho, vem até mim, com o teu coração que sangra, vem ao sacrifício; para ti será um grande benefício. Provações, perdas, sofrimentos, pobreza, desonra, isolamento esgotaram-te a coragem? Apressa-te em ir ao santo sacrifício. Aí encontrarás aquele que foi considerado não como homem, mas como um verme. Ele sabe o que é sofrer, pois foi afligido com todas essas provas que, tão pesadamente, te esmagam. Doravante não estarás mais sozinho e sem amigo, porque o tens, a ele, que te falará ao coração e será a tua força, a tua consolação.

Vê como é terna a sua bondade. Não é no esplendor da sua glória nem no triunfo da sua vida eminente e sublime que ele se te revela, mas sim, como uma vítima e em sacrifício, sob aparências tão simples e em altar tão humilde quanto seja preciso para que a pobre humanidade sofredora, miserável e pecadora dele possa aproximar-se e dizer com toda a verdade: “Não temos um pontífice que não se possa compadecer das nossas fraquezas; pelo contrário, ele foi tentado como nós, em tudo, mas sem cometer o pecado”. (Heb., IV).

Podia Nosso Senhor desvendar aos teus olhos quadro mais maravilhoso, mostrando-te, assim, o que deves fazer? Podia, pobre filho da terra, impelir-te com mais humilde condescendência do seu amor, a vencer a tua tibieza, a tua frieza, a comparecer na sua presença, ao menos, uma vez por semana? Que felicidade não será, para ti, poder livrar-te aos seus pés, do teu fardo, e isso, todos os dias!

Vemos, enfim, ao redor de nós e tão longe quanto podem alcançar os nossos olhares, uma multidão de nações ignorantes, incrédulas, mergulhadas no mal; mas estes mesmos povos participam, ao menos indiretamente, dos frutos do sacrifício, porque nenhum dentre eles fica oculto aos olhos de Nosso Senhor e todos são chamados a ser membros da sua Igreja, a tomar parte no seu sacrifício e a conseguir a própria salvação. A Missa é oferecida “pro nostra totiusque mundi salute” , para salvação nossa e de todo o mundo.

Retirado do livro: “O Santo Sacrifício da Missa” – Cardeal Vaughan – Arcebispo de Westminster.

Deste livro de ouro do celebre cardeal Vaughan deveis extrair, como de uma mina de preciosidades, a matéria das vossas meditações de cada manhã.

Tradução por J. A. A. F. BAHIA oficinas Gráficas d'A Luva 1932

NIHIL OBSTAT.

Bahia, 5 de Outubro de 1932. P.E Amilcar Marques, Censor diœcesanus

IMPRIMA-SE

Bahia, 5 de Outubro de 1932. Mons. Appio, Vig. Geral

fonte:sinais dos tempos